Inaugurando o espaço, dividimos a reflexão de Alexandra Martins.
da risa ao riso
Uma hospedagem por um texto para
o blog. Essa foi a brincadeira sugerida em troca de alguns dias de estadia na
cidade de Salvador, na casa de uma das integrantes do Coletivo LesbiBahia. O
desafio foi deliciosamente acatado e sem qualquer estipulação de regras
pré-definidas, o texto que ia vim ao blog começou a ser cuidadosamente criado
no decorrer dos segundos que se passavam naquela casa solidária.
Alexandra Martins faz suco verde pela manhã e chá de gengibre de noite. Ah! E gosta do cheiro de terra molhada quando chove.
Mas o que eu, uma militante
aposentada (termo que venho me apropriando para demonstrar certo afastamento da
militância), teria para contribuir com um grupo que ainda se mantêm na linha de
frente, pelo fortalecimento da cidadania de mulheres que amam mulheres? Onde eu
- que em silêncio desconfio de algumas bandeiras - poderia me encaixar?
Daí por acreditar que este
desafio é um tanto quanto justo na medida em que aquilo que temos para repartir
é o próprio fato de existir: é a própria vida. Pois são dessas companhias entre
pares - daquelas com quem escolhemos dividir o mesmo pão - que por si só se
constitui num ato político.
Numa outra ocasião recente em que
estive em Salvador, dezembro do ano passado, percebi certas relações de poder e
te(n)são que a cidade é atravessada. E nem é preciso ir muito longe, uma saída
despretensiosa e um olhar mais apurado pelas ruas, de antemão já abre
precedentes para inferir como a cidade trata seu povo. Neste caso específico,
as mulheres lésbicas e bissexuais.
E é deste lugar de fala no qual
eu falo.
Aliás, falo não.
Buceteio mesmo!
Olhares atravessados, de desconfiança
e até curiosidade marcavam nossos corpos (eu e de minhas amigas) enquanto descíamos
a ladeira da cidade. Era como se nos despissem de ódio e calor, cujo limiar
entre “tesão” e “tensão” se torna tão sutil que a escorregada bamboleada pra
qualquer um dos lados faria supor um resquício de violência.
Mas nós seguíamos descendo aquela
ladeira enquanto a preenchíamos com palavras que conectavam uma às outras,
jogadas aos ventos entre uma risada e outra iam aparecendo: sapatão, lésbica,
amor, sexo, prazer, gozo.
Ao perceber certo incomodo de
terceiros com essa nossa tal liberdade, de desfilar risadas e corpos fora do
padrão heteronormativo do que se espera de uma mulher, fiquei pensando que chão
era aquele que sustentava essa nossa dança? A dança, aqui pensada não como
coreografia. Mas a “dança” como um embalar de corpos em sua vivência natural. A
dança como uma ação social. Como seria possível construir uma cidade cujo
principal objetivo não seja o controle (dos espaços de trânsito, dos desejos,
afetos, gozos, corpos e ideias), se não pelo manifestar natural de nossas
potências políticas e criativas no espaço público?
Naquele dia, era como se nossa
risada se tornasse uma forma de enfrentamento (mas também de fortaleza) para
aqueles que nos olhava com desprezo e rancor. Naqueles poucos segundos da
descida da ladeira, os risos foram instrumento da resistência de uma identidade
ainda negada, de corpos que não podiam estar assim tão vivos daquele jeito. Mas
insistiam em estar, viva!
E é essa a diferença entre escolher
estar viva na rua ou decidir ficar em casa com medo de sair. Pois muita coisa
acontece quando a gente olha no olho da outra. E esse (re)encontro entre as
pares é uma espécie de suspiros da experiência que transborda por entre
camadas, como um desejo cansado de ficar preso e decide escorregar por entre os
dedos das mãos.
As vezes é necessário ser mais:
mais riso
mais risa
mais magia
mais maria
mais ria, mais rio.
Mais desses ri(s)os que vazam
pelas beiradas até transbordar aos poucos. De pingo em pingo. De ponta à ponta.
De dedo em dedo. Água corrente que de tão forte explode em gozos e em céus que
me permitam olhar para minhas pares e para mim mesma. Perceber no cotidiano
corriqueiro outras personagens assim como eu e ligar os pontos de uma constelação.
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