segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

(Des)abafos

Como uma das coisas que fortalecem a nossa militância são os espaços de diálogos, catarse, onde rasgamos a couraça e transformamos em palavras, as memórias da pele, o Coletivo Lesbibahia deseja que o  blog também seja um espaço de expressão de nossas ideias. Envie seu texto, sua reflexão para nós! Será um prazer partilhar vivências com você. Envie para o e-mail:coletivolesbibahia@gmail.com

Inaugurando o espaço, dividimos a reflexão de Alexandra Martins.


da risa ao riso
Uma hospedagem por um texto para o blog. Essa foi a brincadeira sugerida em troca de alguns dias de estadia na cidade de Salvador, na casa de uma das integrantes do Coletivo LesbiBahia. O desafio foi deliciosamente acatado e sem qualquer estipulação de regras pré-definidas, o texto que ia vim ao blog começou a ser cuidadosamente criado no decorrer dos segundos que se passavam naquela casa solidária.
Alexandra Martins faz suco verde pela manhã e chá de gengibre de noite. Ah! E gosta do cheiro de terra molhada quando chove.

Mas o que eu, uma militante aposentada (termo que venho me apropriando para demonstrar certo afastamento da militância), teria para contribuir com um grupo que ainda se mantêm na linha de frente, pelo fortalecimento da cidadania de mulheres que amam mulheres? Onde eu - que em silêncio desconfio de algumas bandeiras - poderia me encaixar?
Daí por acreditar que este desafio é um tanto quanto justo na medida em que aquilo que temos para repartir é o próprio fato de existir: é a própria vida. Pois são dessas companhias entre pares - daquelas com quem escolhemos dividir o mesmo pão - que por si só se constitui num ato político.
Numa outra ocasião recente em que estive em Salvador, dezembro do ano passado, percebi certas relações de poder e te(n)são que a cidade é atravessada. E nem é preciso ir muito longe, uma saída despretensiosa e um olhar mais apurado pelas ruas, de antemão já abre precedentes para inferir como a cidade trata seu povo. Neste caso específico, as mulheres lésbicas e bissexuais.
E é deste lugar de fala no qual eu falo.
Aliás, falo não.
Buceteio mesmo!
Olhares atravessados, de desconfiança e até curiosidade marcavam nossos corpos (eu e de minhas amigas) enquanto descíamos a ladeira da cidade. Era como se nos despissem de ódio e calor, cujo limiar entre “tesão” e “tensão” se torna tão sutil que a escorregada bamboleada pra qualquer um dos lados faria supor um resquício de violência.
Mas nós seguíamos descendo aquela ladeira enquanto a preenchíamos com palavras que conectavam uma às outras, jogadas aos ventos entre uma risada e outra iam aparecendo: sapatão, lésbica, amor, sexo, prazer, gozo.
Ao perceber certo incomodo de terceiros com essa nossa tal liberdade, de desfilar risadas e corpos fora do padrão heteronormativo do que se espera de uma mulher, fiquei pensando que chão era aquele que sustentava essa nossa dança? A dança, aqui pensada não como coreografia. Mas a “dança” como um embalar de corpos em sua vivência natural. A dança como uma ação social. Como seria possível construir uma cidade cujo principal objetivo não seja o controle (dos espaços de trânsito, dos desejos, afetos, gozos, corpos e ideias), se não pelo manifestar natural de nossas potências políticas e criativas no espaço público?
Naquele dia, era como se nossa risada se tornasse uma forma de enfrentamento (mas também de fortaleza) para aqueles que nos olhava com desprezo e rancor. Naqueles poucos segundos da descida da ladeira, os risos foram instrumento da resistência de uma identidade ainda negada, de corpos que não podiam estar assim tão vivos daquele jeito. Mas insistiam em estar, viva!
E é essa a diferença entre escolher estar viva na rua ou decidir ficar em casa com medo de sair. Pois muita coisa acontece quando a gente olha no olho da outra. E esse (re)encontro entre as pares é uma espécie de suspiros da experiência que transborda por entre camadas, como um desejo cansado de ficar preso e decide escorregar por entre os dedos das mãos.
As vezes é necessário ser mais:
mais riso
mais risa
mais magia
mais maria
mais ria, mais rio.
Mais desses ri(s)os que vazam pelas beiradas até transbordar aos poucos. De pingo em pingo. De ponta à ponta. De dedo em dedo. Água corrente que de tão forte explode em gozos e em céus que me permitam olhar para minhas pares e para mim mesma. Perceber no cotidiano corriqueiro outras personagens assim como eu e ligar os pontos de uma constelação.


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